Consultoria Tributaria

CIDE-Digital: o unilateralismo na tributação da economia digital chega ao Brasil

Cidade Digital: tecnologia em benefício dos cidadãos - OverBR
No último dia 4 de maio, o deputado federal João Maia (PL/RN) apresentou o Projeto de Lei nº 2.358/2020, o qual prevê a instituição de uma Contribuição de Intervenção sobre o Domínio Econômico incidente sobre a “receita bruta de serviços digitais prestados pelas grandes empresas de tecnologia” (CIDE-Digital). O produto da arrecadação será destinado integralmente ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), regulado pela Lei nº 11.540/2007.
Os “serviços digitais” abarcados pelo campo de incidência da CIDE-Digital são: (i) exibição de publicidade em plataforma digital para usuários localizados no Brasil (acesso à plataforma por meio de dispositivo situado no Brasil, com base no endereço IP); (ii) disponibilização de uma plataforma digital que permite que usuários entrem em contato e interajam entre si, com o objetivo de venda de mercadorias ou de prestação de serviços diretamente entre esses usuários, desde que um deles esteja localizado no Brasil; e (iii) transmissão de dados de usuários localizados no Brasil coletados durante o uso de uma plataforma digital ou gerados por esses usuários.
Não obstante a ausência de qualquer estudo econômico prévio junto ao setor de tecnologia e aos demais players envolvidos, este projeto estabelece, em seu artigo 4º, o contribuinte da CIDE-Digital. É contribuinte apenas a pessoa jurídica, domiciliada no Brasil ou no exterior, e pertencente a grupo econômico que tenha auferido, no ano-calendário anterior, (i) receita bruta global superior ao equivalente a R$ 3 bilhões (três bilhões de reais); e (ii) receita bruta superior a R$ 100 milhões (cem milhões de reais) no Brasil
Estes limites monetários cumulativos (“revenue-based factors”) foram claramente inspirados no “Digital Services Tax – DST”, proposto pela Comissão Europeia e já adotado por diversos países europeus (Áustria, França – adiado até o final de 2020, Hungria, Itália, Turquia e Reino Unido)[1].
O DST também é cobrado sobre as receitas derivadas da prestação de determinados serviços digitais, limitado a (i) empresas com receitas globais anuais acima de 750.000.000,00 euros; e (ii) empresas com receitas tributáveis obtidas na União Europeia superiores a 50.000.000,00 euros.
Essa inspiração se torna evidente pela análise da singela e genérica justificativa apresentada ao projeto, o qual representaria uma forma de acompanhar os movimentos internacionais, notadamente pós-BEPS, no âmbito da tributação da economia digital. Consoante a justificativa, “o Brasil não pode ficar fora desse movimento”, motivo pelo qual a instituição de uma contribuição sobre serviços digitais consistiria, na visão do projeto, na melhor alternativa.
A novidade trazida pela CIDE-Digital, em comparação com o seu irmão europeu, diz respeito à previsão de alíquotas progressivas de acordo com a receita bruta obtida. O artigo 6º do projeto fixa alíquotas de 1% (um por cento) sobre a parcela da receita bruta até R$ 150.000.000,00 (cento e cinquenta milhões de reais); 3% (três por cento) sobre a parcela da receita bruta que superar R$ 150.000.000,00 (cento e cinquenta milhões de reais) até R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais); e 5% (cinco por cento) sobre a parcela da receita bruta que superar 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais).
Outro ponto interessante, porém incongruente, refere-se à observância aos direitos e garantias dos usuários previstos na Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD), prevista tão somente na justificativa do projeto.
Ocorre que a LGPD, cuja vigência se iniciaria no próximo mês de agosto (após longos 24 meses de sua publicação), foi prorrogada para janeiro de 2021[2], sem maiores justificativas, a despeito de sua enorme importância ainda mais em tempos de combate à pandemia de Covid-19 quando a utilização de dados se torna ferramenta fundamental.
Acrescenta-se, ainda, que o PL nº 2.358/2020 prevê, em seu artigo 9º, a aplicação subsidiária das disposições atinentes à legislação do Imposto de Renda, “especialmente quanto às penalidades e aos demais acréscimos aplicáveis”. Tal característica escancara a praxe da política tributária brasileira de instituir contribuições a torto e a direito, muito embora elas representem impostos trasvestidos de CIDE, e pouco se saiba sobre os “problemas” que elas visam a combater. Tem-se a clássica problemática da referibilidade destas contribuições[3].
Os desafios trazidos pela economia digital são inegáveis: difícil localização dos players da economia digital (o que exigiria mudança na proxy para atribuição do poder de tributar às jurisdições); identificação das partes envolvidas e dos objetos contratuais de cada negócio; controle e alocação dos fluxos financeiros de pagamento (moedas digitais); eclosão de tributos digitais (unilateralismo versus multilateralismo), entre outros.
Contudo, parece-me que o projeto de lei ora discutido, proposto no meio de uma pandemia global que exige esforços financeiros dos Estados, apenas descobriu o Projeto BEPS 7 (sete) anos após seu lançamento.
A adoção de medidas unilaterais, no afã de assegurar a fatia do bolo sobre a economia digital e com fito exclusivamente arrecadatório, intensifica a insegurança jurídica e coloca dúvida acerca da natureza destes novos tributos digitais (“income tax” ou “turnover tax”) e sua compatibilidade com o atual escopo material dos acordos de bitributação[4].
Aludido Projeto desconsidera que a economia atual, como um todo, está digitalizada em maior ou menor grau. Nesse sentido, pretender instituir uma CIDE-Digital sobre as “grandes empresas de tecnologia” ignora a impossibilidade de “ring-fence”, reconhecida pela OCDE, isto é, a vedação ao tratamento distinto à economia digital.
Ademais, preocupa a superficialidade empregada pelo projeto para definir “serviços digitais”, sem qualquer discussão prévia com as empresas de tecnologia de modo a ter uma avaliação completa dos modelos de negócio e dos problemas existentes no setor, desconsiderando, ainda, a clássica tributação na fonte brasileira.
De todo modo, chama a atenção a escolha de uma contribuição, cujo produto da arrecadação seria destinado ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), tida pelo projeto “mais adaptada para o propósito”.
Qual propósito? Adequar-se aos padrões internacionais? Seguir o criticável movimento de instituição de “tributos digitais” deflagrado por diversos países? Ou assegurar maior receita tributária em momentos de crise por meio de contribuição cuja referibilidade é questionável?
Nesse sentido, acredito que a proposta de instituição de uma CIDE-Digital, sob a justificativa de “o Brasil não pode ficar fora desse movimento”, a despeito de suas diversas deficiências, valendo-se da velha e errática prática brasileira quanto às contribuições, é mais do que ilegal e inconsistente com as discussões internacionais, é inoportuna em tempos de Covid-19.
A tributação da economia digital passa pela construção de mecanismos inclusivos, através dos quais todos os players envolvidos (contribuintes, administrações tributárias de países desenvolvidos e em desenvolvimento, e sociedade civil) possam participar do processo deliberativo e decisório em matéria tributária.
O multilateralismo inclusivo e a cooperação internacional são exigências atuais da chamada governança tributária internacional, na qual medidas unilaterais, com fito arrecadatório, não possuem espaço.

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Carlos Rocha
Graduado em Ciências Contábeis e Pós-Graduando em Gestão Tributaria pelo INPG Business School. Experiência em empresas de grande porte Nacionais e Multinacionais nos setores fiscais e tributários. Sempre atuando com melhoria de processo aumento de rentabilidade e atração de investimentos e eficiência na geração resultados. Atuei no projeto de implantação e terceirização do setor de contas a pagar; receber e parte do setor fiscal da Indústria Farmacêutica Merck Group Brasil em conjunto com a Atento Brasil. Experiência na BDO BRAZIL AUDITORES INDEPENDENTES atendendo clientes multinacionais trabalhando na geração de uma série de benefícios, especialista nos seguistes seguimentos:

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